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domingo, 30 de janeiro de 2011

devaneios do caminho




Observo-te enquanto dormes.
As linhas do teu rosto, corpo de desejo colado ao meu.
Tento desvender o segredo do teu sonho,
neste instante em que te sinto tão próximo.
Mas acordo, e o perto se torna distante.
A tua alma caminhante deixa o meu coração irrequieto.
Por isso viro costas e sigo o meu caminho.

Seremos enlaçadores de mundos, de estrelas,
como o fomos em tantas outras noites...
mas num outro amanhã, talvez, numa outra vida.
Por hoje serei apenas caminhante errante.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

* ..partir..


"Se eu pudesse não partir
Eu ficava aqui contigo
Se eu pudesse não querer descobrir
Se eu pudesse não escolher
Eu juro era este o meu abrigo
Se eu pudesse não saber que há mais
Mas como pode a lua não querer o céu?
Como pode o mar não querer o chão?
Como pode a vontade acalmar o desejo?
Como posso eu ficar..?"
*
* Margarida Pinto - Ficar (canção de embalar)
*
*
*
- Está na altura de seguir viagem Miriam - disse-lhe repentinamente - Vou partir dentro de sete dias e quero que venhas comigo. Desafio-te. Quero-te mostrar o mundo que existe fora das muralhas desta cidade, para que possas sentir a liberdade do ser que és.
- Não sabes nada de mim, não o esqueças: sou capaz de provocar as maiores calamidades na mente, do sonhar na noite, só para matar os sonhos quando a manhã chega. Não queiras gostar de mim. Sou uma caminhante errante, simplesmente o que resta da hipocrisia das estrelas. Quero o melhor para ti, e acredita que isso não é estares comigo. Iria destruir-te, e não quero. Desculpa.
- .. Criamos deuses falsos em capelas douradas. Destruimos irmãos em nome dele. Destruimos o único deus que nos suportou estes anos todos. Aquele que tu adoras. A destruir somos bons. Mas tu.. a mim?
Abraçaram-se. Ela deixou escorrer uma lágrima, receando que este fosse um momento de despedidas.
*
Talvez a ideia do desapego seja uma maneira de evitar a entrega. Teria ela assim tantas máscaras perante a ideia de se entregar a alguém? Há encontros que não acontecem por acaso. E a verdade foge-lhe, de novo.. O que era realmente importante para si? O que a fazia lutar? Talvez seja o desejo de liberdade, ou maior o medo de tocar o outro. A Entrega. Mas porquê a necessidade de erguer as máscaras, as barreiras? Muralhas de si..
*
Ouve-me. Que o dia te seja limpo e encontres magia onde o teu olhar pousar. És e serás sempre aquela parte de mim que desejava encontrar, mas os caminhos são longos e nem eu sei o que tenho de percorrer até dizer que sou livre. Estou presa a demónios e fantasmas.
Amo-te, mas é maior o meu medo.

segunda-feira, 22 de março de 2010

* Ostara


Fica assim, perdida algures no tempo, divagando nos seus pensamentos. Talvez fosse o seu desejo de se apaixonar, de um novo amor que ainda não tivesse sentido, que a levava a pensar naquele estranho. Desejava apenas poder olhar para ele mais uma vez, e sentir em si o mergulhar nos olhos dele, o domador de dragões, caminhante dos céus, erguendo a sua máscara, tocando a sua melodia..


A Primavera chega para nos fazer lembrar o que já esquecemos, o que vivemos e o que iremos ganhar..
Noite de Lua, uma das muitas noites de devaneio e de loucura em que dou por mim invadida pela dor de não saber onde dói. Suspiro, rezo à Lua, à Deusa, apanho flores perdidas no chão e faço delas minha companhia. Mas sempre em busca de algo que não encontro, talvez por não existir. Talvez seja eu quem mais me julga, mesmo sabendo que não tenho esse direito. Mas devo ter em mente que novos começos devem surgir, sendo eu repleta da subtileza do cisne, da sabedoria da Imperatriz, possuindo a sua força. Devo evitar cair nas teias da maldade e da arrogância, do ódio e do ciúme. Sentir a chama do conhecimento em mim e agarrá-la como uma luz que pode ferir quem não estiver preparado para a ver. Caminhando sozinha, mas sem deixar que a solidão me incomode, para enfim desvender os mistérios do Mundo, do Universo, das estações e dos elementos.
O Sol ilumina-nos os dias, a Lua reflecte-nos a sua luz durante as noites, mas ergue os seus véus de mistérios, sensualidade e paixão. É ela que representa a Divindade Feminina, o ventre de onde viemos, a nossa mãe, virgem e anciã. Deusa minha, ilumina-me o caminho com o teu manto de estrelas, as flores do caminho. Quero-me reflectida no que me cerca, descobrir no meu interior a verdadeira vida.


- Sabes Lucas, as emoções são cavalos selvagens.. - disse-lhe enquanto escutava o suave murmúrio da aurora - Há quem saiba domá-los, há quem tente apenas. E no fim a pergunta é sempre a mesma: Para quê?
- Para quê..? Para partilhar uma vida em vez da história de uma. Não sei... - respondeu ele suspirando - Cada vez me dói mais. Não fazer muito para mudar. Estranho...
- Talvez também não possas fazer nada para mudar.. Há coisas que só acontecem quando têm de acontecer.
- Se tivesse que te contar o que sinto neste momento ficaria perdido em palavras. Não sei o que me espera, este verdadeiro rodopio de emoções e situações. Esqueço-me de que deveria fazer algo por mim, pelo mundo talvez. Mas que posso eu fazer, se já tudo foi feito?
- Como é estranha a vida.. Tão efémera, e ao mesmo tempo tão longa. Há segundos que nos marcam para a vida inteira, que nos acompanham a cada passo. Erramos, pecamos, na urgência de tudo sentir. O mundo, a alma, o corpo..
- A solidão que preciso para conseguir ver mais claramente. Apenas porque para se ser santo tem de se morrer, e para morrer é preciso viver. - disse Lucas, fechando os olhos - Que eu nunca me esqueça do valor de cada dia, da luz e das trevas, pois encontram-se sempre presentes em mim. Que o Mundo alcance a paz, nesta época de sombras e esclarecimento.
- Que a minha passagem por esta Terra não seja nem mais nem menos que uma brisa de Verão ou o brilhar de uma estrela. Não tenciono deixar a minha marca no mundo como já grandes génios o fizeram. Sinto-me pequena demais para isso. Quero apenas o brilhar, viver cada dia como se fosse o primeiro, sabendo-o como o último.
- Só para dizer que és perfeita. - Lucas sussurrou-lhe ao ouvido - Transparente como a água para todos perdidos e corrompidos pelo tamanho conhecimento da intuição perversa. Impossível não amar.
O sol começava a rasgar o horizonte, e Miriam sentiu em si a enorme força da natureza, naquelas coisas simples. A simplicidade onde o Divino se esconde.
- Que as nossas batalhas não sejam em vão. - disse ela como que numa prece para a deusa da natureza.
- Nunca em vão...

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

* cidade mágica


Ao longo da sua viagem de barco consegue sentir os últimos raios de sol a acariciar-lhe o rosto. "Olhar calado o rio, é ser o olhar, ser o olhado" (1), pensa. Perde-se na ondulação que o movimento constante do barco provoca. A luz do sol que se esconde reflectida na água. Deixa-se mergulhar em alma nas águas profundas. De si partiriam todos os caminhos para a sabedoria. Ser apenas parte do rio, pequena e instável, a dançar com a melhodia das próprias ondas.
A Primavera já começa a dar sinais de si.. Traz consigo uma nova onda de vivificação e rompimento. Chega agora a altura de esquecer frustrações e pesares, de invocar a energia geradora e tentar alcançar o que se quer.
*
É agora, perante o crepúsculo que viajo rumo à cidade mágica. A noite anuncia-se em mim. Os sonhos e desejos que ainda não foram descobertos ameaçam emergir. Lisboa, cidade mágica, envolta pela luz dourada da noite que ainda não chegou.. em ti me perderei, uma vez mais, pois tenho um certo gozo em fazê-lo. Cantando as mesmas melodias, as mesmas confissões renovadas..
E continuarei a perder-me, até me encontrar.
*
Lisboa que anoitece. Erguem-se os véus na cidade mágica, a ansiedade de os desvendar nasce dentro dela, a ansiedade de descobrir o mistério por detrás de cada rua, cada esquina, cada janela.. Aprendendo lições esquecidas, que a alma não morre na sua eternidade. As promessas que fazemos antes de encarnar neste corpo físico. As lições que têm de ser aprendidas, o que sabemos desde sempre e que hoje em dia esquecemos.
Caminha pelas ruelas da cidade, deixando-se guiar pela melodia da flauta que envolve as paredes, as casas.. Aquela flauta mágica, cujo som tem o dom de domar dragões, de encantar os rostos das pessoas que caminham a seu lado. A Lua anuncia-se nos seus véus. Lua da Sementeira, do Corvo que revela o seu lado místico e oculto. Raramente se mostra, mas quando o faz a sua luz fere-a, e encontra na sua forma o brilhar.
Caminhante errante. Vivia de sonhos, na esperança de cruzar o céu e a terra neste mundo. A Espera, Esperava-o, porque não tinha aprendido a fazer outra coisa. Chamava-o, mas a incerteza a toldar-lhe a voz. Não sabia se ele a ouviria..
*
Por vezes o corpo anseia pela incerteza da noite, olhares ao acaso, máscaras que se erguem para se disfarçar o que não se quer ver. Copos perfurmados de vinho doce. Personagens que se avistam no meio da euforia de uma noite de carnaval. Uma noite para se esquecer de si, apenas mais uma. Uma noite em que a chuva despertava os corpos abandonados. A chuva tornava-se guia dos passos nos caminhos insondáveis das ruelas de luxúria.
*
Encontra Petra na noite, sorriem ao cruzar o olhar.
- Hoje pensei em ti, amante da lua - diz Petra cumprimentando-a - Estive a ler sobre mitologia. Sobre Ártemis e Apolo, irmãos gémeos, filhos de Zeus.
Apolo, dotado de uma beleza singular, era o deus que todos os dias conduzia o seu carro de luz pelos céus, doando aos homens toda a sua energia e força. Era também o deus da música, e encantava todos com a melodia da sua lira.
- Falando em música - lembra-se Miriam - Esta noite ouvi uma doce melodia ao caminhar pelas ruas da cidade. Parecia envolver os caminhos todos, e não consegui perceber de onde vinha aquele som capaz de domar dragões.
- Sei do que falas - disse Petra com um sorriso - Eu vi o rapaz que tocava essa flauta. Com um certo mistério no olhar, e também me conseguiu encantar com a sua melodia. Mas deixa-se falar-te sobre Ártemis, ou Diana, no seu nome romano..
Ártemis tornou-se a deusa da Lua e da caça. Quando era ainda criança, pediu a Zeus, seu pai, que a mantivesse virgem, lhe desse um arco e flecha, e também para que carregasse a luz em si, como o seu irmão Apolo. Zeus assim fez, dando-lhe igualmente ninfas para que fossem suas servas e guardiãs. O seu pequeno exército pessoal. Então assim ficaram Apolo, que tinha o poder de se iluminar por si mesmo, yang, e Ártemis, yin, que não gerava luz, mas que reflectia a do seu irmão.
*
De novo os opostos, qualidades masculina e feminina, luz e sombra, activo e passivo.
*
Vagueavam pelas ruas da cidade mágica, ainda encantada pela música de alguém que sabia domar dragões. Beberam e brindaram às chuvas que denunciavam a chegada da Primavera. Dançavam nas suas vestes de fogo e sorriam à noite que as acolhia.
O vinho perfurmado. Apenas mais um copo, o suficiente para alegrar a mente e divagar nas conversas que surgem com um piscar de olhos. É então que entram no último bar da noite, refugiando-se da chuva que se fazia sentir e que as forçava a procurar um porto de abrigo.
Ali estava ele, um perfeito personagem, e parecia que sempre ali tinha estado sem que o tempo tocasse no seu rosto. Tocando a sua flauta mágica naquele local de abrigo. O domador de dragões. Calmo e sereno, com o seu cabelo escuro caído sobre os ombros. Algo lhe chama a atenção para ele. É bonito, não o pode negar, mas não era decerto a sua beleza que a tinha fascinado..
Ele dirige-se a ela - Sabes, dizem que a chuva purifica-nos a alma.
- Sim, mas para quem tem a coragem de se purificar verdadeiramente - responde Miriam desviando o olhar para as gotas que caiam na rua.
- Estou farto de estar aqui entre estas quatro paredes e preciso de sentir a noite. Fazes-me companhia? - estende-lhe a mão, desafiando-a - O meu nome é Lucas, já não sou um estranho para ti.
*
Por vezes a chuva e a noite entranham-se na pele. Devoram com o desejo de passos errantes, passos que levam aos abismos, mas que fazem crescer. Purificam, na sua ânsia de evolução. A água cobrindo os cabelos, pequenas gotas beijando os rostos e desaguando num rio de sensações e emoções. Purificam, na sua ânsia de libertação. Gritaram pela vida nas ruas da cidade, seguindo os rios de memórias esquecidas. Dançaram com os corpos colados, com a naturalidade de quem se conhece desde sempre. A chuva e a noite. A chuva tornou-os vulneráveis. A noite esqueceu as suas máscaras e pôs a descoberto novos rostos..
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(1) - retirado do texto "O Jardim Secreto" de Gonçalo Castelo Branco in Os Fazedores de Letras, Nº38 Março de 2001

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

* Imbolc


De novo os mesmos gritos ferozes, de pássaros selvagens por certo. Agitados, como as nuvens que se abatem sobre as colinas que o seu olhar alcança. A noite chega sobre o castelo. Consegue ouvir os cães das redondezas excitados, exaltados, uivando à lua que se esconde nos seus véus de brumas. Imbolc, noite de magia. Acendem-se velas nas casas para acelerar a chegada da Primavera, o seu cheiro a flores e campos de verdes brilhantes. Dirige-se à janela para fumar um cigarro. Desprende-se da viola e dos seus sons para escutar os pássaros selvagens. Para deixar a imaginação ganhar asas e adivinhar o que a neblina esconde. Mais uma noite sem sono, embora o seu corpo cansado anseie por repouso.

Imbolc reina, as velas acendem-se para acelerar a partida do Inverno. A Lua cheia, Lua leonina, brilha nos mantos negros da noite. Queria falar da importância de enfrentar as nossas sombras. Fomos um só em certas noites, os nossos corpos comungaram e as nossas almas abraçaram-se. Mas tão breves esses momentos..
Do que ficou pouco ou nada resta a dizer. O nosso tempo passou, as sombras esconderam as folhas da nossa árvore, agora entregue ao vento do Inverno.
Tão perto e tão longe, os ciclos insistem em viver em nós.
Agora que a madrugada cai sobre o meu ser, dou por mim a mergulhar nas teias da minha mente. Uma certa calma apodera-se de mim, aquela calma de quem já não tem mais nada a perder, pois nem sequer sabe o que tem de importante. Algo porque dar a vida?
Os sinos tocam lá fora, melodias de pássaros selvagens, cavalos a rondar o campo que me cerca. A paixão pelas coisas simples da vida, pelos momentos únicos em que a vida pode mudar o seu rumo.
Que eu seja capaz de amar, com a total liberdade da alma, sendo simplesmente eu, aquela que julgo conhecer tão bem, mas que a cada ciclo reencontra uma nova luz em si.

Ano cheio de enigmas..
Comemoramos a vida todos os dias? Somos capazes de empreender toda a sua beleza, o seu mistério? Quero sentir o brilhar da alma em mim.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

* Relembrando Litha II



Caminharam sem destino, com a mente a vaguear por outros mundos, acariciando com o olhar todas as árvores e flores que encontravam a cada passo dado. Aquele refúgio dava a sensação de uma natureza abandonada pela mão humana, apenas luzinhas cintilantes se viam pelo caminho, pirilampos, guardiões da noite. Os seus passos levaram a um belo jardim, um lugar onde as almas repousavam após a sua vida terrena. Deitaram-se na relva, junto a uma árvore, sagrada noutros tempos, observando o céu, trocando frases sem sentido, saboreando o aroma que a terra exalava. O desejo da carne, a entrega impensada de dois corpos que procuram o amor no outro. Entregou-se a ele quando sentiu dentro de si as chamas da paixão queimarem-na. Riu com ele, por momentos pensou que era capaz de ficar assim eternamente, envolta pelos seus braços fortes, com o seu cheiro cravado na pele. Mas eternamente é muito tempo.. Quando os seus corpos unidos descansavam do êxtase da comunhão, ela suspirou-lhe ao ouvido “Quem és tu que me entraste na mente, no corpo? Que posso eu saber de ti? Estranho, um doce estranho.. entraste em mim como a luz que eu procurava. Uma noite de chuva que deu lugar ao Sol.”
Não haveria nada naquele momento que a fizesse acreditar que havia guerra, a proximidade das mãos, o espaço que Fausto ousara invadir, o beijo que lhe roubara mesmo ignorando o que escondiam as suas máscaras. Nele, Miriam encontrou um porto de abrigo para as tempestades da sua mente. Sabia-lhe bem poder partilhar as pequenas coisas com ele. Mas ainda lhe custava a entrega, o abandono subtil à união. Não queria encontrar nele apenas um preenchimento dos seus vazios. Disse a si mesma, vezes sem conta, que ele seria mais que isso. Mas o desejo de liberdade latejava no seu íntimo..

* Relembrando Litha I



Por vezes o passado assalta-a, sem avisar, sem se anunciar, para depois partir da mesma maneira, ferozmente.
Lembra-se de Fausto, aquele que embebedou as suas noites, a quem ela se deixou abandonar, para se perder. Permitiu-lhe o beijo, o toque, a sua entrada subtil no seu corpo de mulher-criança. Acendeu-se o fogo da paixão.. e agora restavam apenas as cinzas.
Conhecera-o na noite mais curta do ano, o Solstício, Litha, o momento em que o Sol, manifestação do Deus, atinge a sua plenitude e parte em busca da Terra do calor. Mantendo uma ligação manifesta com os ritmos da Natureza, encontrara maneira de comungar com os ritmos sabáticos no seu íntimo.

Através da sua arte de dançar com o fogo, seu elemento, contempla a luz de tudo o que a envolve, ignora os fantasmas que vivem dentro de si. A dança eufórica comanda o seu corpo já embriagado pelas comemorações sabáticas. O auge do calor, a multidão em seu redor. Fecha os olhos, tentando esquecer as feridas que a vida lhe trouxera, as paixões fugidias, as noites de prazer selvagem, entrega casual, promiscuidade. Oferece o seu corpo à música, num modo mais intenso de existir. Traz em si o odor da lembrança esquecida, demónios adormecidos que na noite a deixam livre para algo mais.
Não sabia se teria aprendido o que precisa para continuar em frente, ainda sente em si muita insegurança, muito desejo de ser sempre quem não era. A vida apresentava-lhe os mais belos desafios, mas continuava a sobreviver sem ser capaz de lutar por aquilo que amava, de decidir, de ser. Em si ardia o desejo de encontrar aquela pessoa capaz de desvendar os segredos da sua alma, apenas com o sentir, com o olhar.. Como se tal fosse possível sem primeiro sentir o desejo da sua alma, a missão talvez.

O choque brusco de dois corpos, violência impensada. Ele dirige-se a ela, furioso primeiro, risonho quando realmente se olham nos olhos. Não sabiam nesse momento que os seus corpos tinham sido atraídos por uma força que não entendiam. Ligam-se assim. Ela pede-lhe desculpa, não se tinha apercebido. Ele sorri apenas, deixando o olhar denunciar o desejo que sentia. A conquista do outro, o encontro inesperado, e quando dá por si não consegue desviar o olhar daquele homem que se cruzara na sua noite, no seu caminho. Um círculo dançante, ele do outro lado, falando casualmente com alguém, o desejo a crescer no seu peito. Queria-o conquistar, mas não se esforça muito, não sabia como, não era iniciada nos jogos de sedução. Limita-se a olhá-lo, de longe, dançando quando o seu corpo lhe pede, sorrindo quando a alma sente. E a noite trouxe o dia, anunciado pela Aurora, guardiã dos sonhos dos madrugadores. O primeiro dia de Verão.
Fecha os olhos para o céu, esticando os braços num agradecimento aos Deuses, pelo solstício, pelo calor que lhe invadia o corpo, que preenchia o espaço vazio entre ela e o mundo que a rodeava. Quando volta a abrir os olhos, ele está diante de si, sorrindo. Quem sabe o destino quisera-os ali naquela noite, agora transformada em dia. Um convite para um acordar sem dormir, para um novo dia, celebrar o Verão, os frutos maduros. Fausto, era o seu nome. Viera de um país distante, apenas para conhecer outras paisagens, e agora estava ali, diante de Miriam, agradecendo-lhe a ousadia daquele toque impensado.
Vem comigo, diz ela. Quero-te mostrar um sítio mágico, uma praia esquecida nas bordas de uma serra.

Guia-o pelos caminhos de terra até ao seu refúgio junto ao mar, na companhia do sol que brilha em todo o seu esplendor. Deita-se na areia a contemplar o horizonte, o calor que se entranha por todos os poros do seu corpo. Despe-se lentamente, descobrindo a coragem da nudez diante daquele homem que tanto a observa. Quero-me vestida de céu.. e sentir-me que nem estrela do mar, protegida por toda a Natureza que me rodeia e preenche.. E assim perde o medo de enfrentar o seu próprio reflexo. Aproxima-se das águas cristalinas e mergulha profundamente, sem dizer uma palavra, sabendo que nada que pudesse sair da sua boca poderia expressar o que vivia na sua alma. Sente o olhar dele sobre o seu corpo, um olhar de desejo, e aos pouco, o seu íntimo foi-se revelando à pessoa que ele era.
Falavam de tudo o que se lembravam, de poesia, música e vida, passando por momentos de silêncio compartilhado. Um silêncio que fala por si, que fala da verdade, do que as palavras não conseguem exprimir. Miriam abre o Livro do Desassossego, de Fernando Pessoa, que ele traz consigo. Lê a primeira frase onde o seu olhar pousa: “Na grande claridade do dia o sossego dos sons é de ouro também. Há suavidade no que acontece. Se me dissessem que havia guerra, eu diria que não havia guerra. Num dia assim nada pode haver que pese sobre não haver senão suavidade”... Deixa-se embalar deitada ao sol que nem salamandra, permite que o sono trespasse o seu corpo e adormece por instantes.

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

* A ti



Porque não procurar o arco-íris depois da tempestade? Porque não ver o florescer da Primavera?
A ti, onde quer que estejas, sabes que a vida te espera, te encontra e te felicita a cada momento.. por ti soam os sinos da Natureza, não os ouves?
A vida apresenta-nos os mais belos desafios, nem sempre vencemos, nem sempre conseguimos arrancar um sorriso ao nosso íntimo.. Por vezes encontramos lágrimas nos olhares, mas tudo tem a sua luz. Já reparaste no brilho de uma gota quando o sol a beija?
A ti, quem quer que sejas.. Sê o caminhante da liberdade, caminhante do céu, e saberás sempre que o pecado não existe, apenas a dor do medo. Vive, livre. Porque a vida merece o teu dom: o de Ser, o de Existir.

Imagino-te agora diante de mim, sem barreiras, sem máscaras. O teu rosto não o sei de cor, o meu olhar não consegue vislumbrar as formas certas. Mas o que é um rosto? Nossa máscara na vida, papel de embrulho para os aniversários do caminho..? Os olhos são o espelho da alma, e é a essa tua alma que quero chegar, pois já lhe conheço a essência. Mas não estás aqui, ainda, e agora que sinto em mim este desejo de partilhar contigo estas palavras, escrevo nas folhas que me agarram com a esperança de que um dia irás ler estes escritos.. Talvez seja a forma que encontro para não semear as palavras ao vento, sem destino: um coração onde se irão plantar. Que nem flores que crescem sem se saber bem como, pequenas sementes de estórias que as palavras não ditas podem contar..
Mas ouve-me, desejo que estas palavras entrem em ti, que és parte de mim. Que encontrem terra fértil na tua alma para que possas acreditar na tua Luz, no teu Amor.