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sexta-feira, 22 de abril de 2011

A procura dos deuses



«A procura dos deuses é a procura de si próprio. E onde estamos escondidos? Na água, no ar, no fogo, na terra. Estamos na água, no rio escondido. A água faz parte do nosso corpo, mas não a vemos. Circula nas nossas veias, mas não a sentimos. Vemos apenas a água exterior. Só nos reconhecemos nos reflexos. Quando nos vemos reflectidos na água, sabemos também que somos luz, de outra forma não poderíamos reflectir-nos. Somos fogo, somos sol. Estamos no ar, na palavra. Quando pronunciamos os nomes dos nossos deuses, pronunciamos o nosso. Eles criaram-nos com a sua palavra e nós recriamo-los com a nossa. Os deuses e os homens são a mesma coisa. O filho do sol, o filho da água, o filho do ar, o filho do milho, nascem do ventre da mãe terra. Quando encontramos o sol, o fogo em movimento, a água, o rio escondido, o ar, o cântico sagrado, a terra, a carne do milho, dentro de nós próprios, transformamo-nos em deus.»


Laura Esquivel
in A Malinche
imagem: Holy Fire de Alex Grey

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Amores Secretos



"O amor que se sente corresponde a um desejo não de dar mas de receber, amar é desejar ser amado, talvez só isso justifique a ordem de amar o próximo como a si mesmo.
Para saber quem somos temos de nos conhecer.
O conhecimento de si mesmo é a coluna estruturante - do desejo (como da Sabedoria proposta à entrada do templo de Delfos).
Conhece-te a ti mesmo.
Ao fim de tantos anos já me conheço um pouco, mas amo-me cada vez menos.
Encontro nas minhas amigas e amigos as qualidades que me faltam: força, coragem, alegria, determinação.
Não tenho nada disso.
Estou em dissolução, na pior fase, numa nigredo de que não sei sair.
Alguns julgarão que sim, que não preciso de nada e de ninguém.
Estão enganados.
Preciso muito de ajuda."


Y. K. Centeno
in Amores Secretos

domingo, 19 de setembro de 2010

Elegias de Duíno


"Quem se eu gritasse, me ouviria entre as hierarquias dos anjos?
E dado mesmo que me tomasse um deles de repente em seu coração, eu sucumbiria
ante sua existência mais forte.
Pois o belo não é senão o início do terrível, que já a custo suportamos,
e o admiramos tanto porque ele tranquilamente desdenha destruir-nos.
Cada anjo é terrível.
E assim me contenho pois, e reprimo o apelo de obscuro soluço.
*
Ah! A quem podemos recorrer então?
Nem aos anjos, nem aos homens, e os animais sagazes logo percebem que não estamos muito seguros no mundo interpretado.
Resta-nos talvez alguma árvore na encosta que diariamente possamos rever.
Resta-nos a rua de ontem e a mimada fidelidade de um hábito, que se compraz connosco e assim fica e não nos abandona.
Ó e a noite, a noite quando o vento cheio dos espaços do mundo desgasta-nos o rosto - para quem ela não é / sempre a desejada, levemente decepcionante, que para o solitário coração se impõe penosamente.
Ela é mais leve para os amantes?
Ah! Eles escondem apenas um com o outro a própria sorte.
Não o sabes ainda? Atira dos braços o vazio para os espaços que respiramos;
talvez que os pássaros sintam o ar mais vasto num vôo mais íntimo.
*
Sim, as primaveras precisavam de ti.
Muitas estrelas esperavam que tu as percebesses.
Do passado erguia-se uma vaga aproximando-se, ou ao passares sob uma janela aberta, um violino se entregava.
Tudo isso era missão. Mas a levaste ao fim?
Não estavas sempre distraído pela espera, como se tudo te ansiasse a bem amada?
(onde queres abrigá-la então, se os grandes e estranhos pensamentos entram e saem de ti e muitas vezes ficam pela noite.)
Se a nostalgia te dominar, porém, cantas as amantes; muito ainda falta para ser bastante imortal seu celebrado sentimento.
Aquelas que tu quase invejaste, as desprezadas, que tu achaste muito mais amorosas que as apaziguadas.
Começa sempre de novo o louvor jamais acessível;
Pensa: o herói se conserva, mesmo a queda lhe foi apenas um pretexto para ser: o seu derradeiro nascimento.
As amantes, porém, a natureza exausta as toma novamente em si, como se não houvesse duas vezes forças para realizá-las.
Já pensaste pois em gaspara Stampa o bastante para que alguma jovem, a quem o amante abandonou, diante do elevado exemplo dessa apaixonada, sinta o desejo de tornar-se como ela?
Essas velhíssimas dores afinal não se devem tornar mais fecundas para nós?
Não é tempo de nos libertarmos, amando, do objecto amado e a ele tremendo resistirmos como a flecha suporta à corda, para, concentrando-se no salto Ser mais do que ela mesma?
Pois parada não há em / parte alguma.
*
Vozes, vozes.
Escuta, coração como outrora somente os santos escutavam:
até que o gigantesco apelo levantava-os do chão;
mas eles continuavam ajoelhados, inabaláveis, sem desviarem a atenção: eles assim escutavam.
Não que tu pudesses suportar a voz de Deus, de modo algum.
Mas escuta o sopro, a incessante mensagem que nasce do silêncio.
Daqueles jovens mortos sobe agora um murmúrio em direcção /a ti.
Onde quer que penetraste, nas igrejas de Roma ou de Nápoles, seu destino não falou a ti, / tranquilamente?
Ou uma augusta inscrição não se impõs a ti como recentemente a lousa em Santa Maria Formosa.
Que eles querem de mim?
Lentamente devo dissipar a aparência de injustiça que às vezes dificulta um pouco o puro movimento de seus espíritos.
*
Certo, é estranho não habitar mais terra, não mais praticar hábitos ainda mal adquiridos, às rosas e outras coisas especialmente cheias de promessas.
Não dar sentido do futuro humano; o que se era, entre mãos infinitamente cheias de medo.
Não ser mais, e até o próprio nome deixar de lado como um brinquedo quebrado.
Estranho, não desejar mais os desejos.
Estranho, ver tudo o que se encadeava esvoaçar solto no espaço.
E estar morto é penoso e cheio de recuperações, até que lentamente se divise um pouco da eternidade.
- Mas os vivos cometem todos o erro de muito profundamente distinguir.
Os anjos (dizem) não saberiam muitas vezes se caminham entre vivos ou mortos.
A correnteza eterna arrebata através de ambos os reinos todas as idades.
Sempre consigo e seu rumor as sobrepuja em ambos.
*
Finalmente não precisam mais de nós os que partiram cedo, perde-se docemente o hábito do que é terrestre, como o /seio materno suavemente se deixa, ao crescer.
Mas nós que de tão grandes mistérios precisamos, para quem do luto tantas vezes o abençoado progresso se origina - : poderíamos passar / sem eles?
É vã a lenda de que outrora, lamentando Linos, a primeira música ousando atravessou o árido letargo, que então no sobressaltado espaço, do qual um quase / divino adolescente escapou de súbito e para sempre, o vazio entrou naquela vibração que agora nos arrebata e consola e ajuda?"
*
*
* Rainer Marie Rilke
* Elegias de Duíno
* (imagem de Alex Grey)

domingo, 22 de agosto de 2010

Começámos como um mineral..



"Começámos
como um mineral,
Irrompemos na vida vegetal e no estado animal,
como seres humanos, em seguida,
e esquecemos sempre os nossos estados anteriores,
salvo no início da Primavera,
quando nos recordamos um pouco
de ser verdes mais uma vez.
É assim que um jovem se volta para um professor.
É assim que um bebé se inclina para o seio,
sem saber o segredo do seu desejo,
mas voltando-se por instinto.
A humanidade é conduzida ao longo de um percurso evolutivo
através da sua migração de inteligências.
E apesar de parecer que dormimos,
há uma vivacidade interior
que direcciona o sonho.
Com o tempo irá assombrar-nos de volta
para a verdade de quem somos."
*
*
* Rumi, Século XIII
* imagem de Alex Grey

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

sobre mudanças


"Todas as mudanças, mesmo as mais desejadas, têm a sua melancolia;
porque deixamos para trás uma parte de nós.
Precisamos de morrer uma vida antes de entrar noutra."

* Anatole France

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Um Deus da Montanha


"Os Deuses aguardam a reunião consciente da mente do Homem com a Mente Universal. A Humanidade desperta lentamente. Cegos pela matéria, através dos séculos, poucos Homens perceberam até agora a Mente dentro da substância, a Vida dentro da forma.
Em busca de poder e riquezas os Homens têm percorrido a Terra, penetrando as florestas, escalando os picos e conquistando os desertos polares. Deixemo-lo agora, buscar dentro da forma, escalar as alturas da sua própria consciência, penetrar suas profundidades, em busca daquela Força e Vida interiores, únicas pelas quais ele pode tornar-se forte em Vontade e espiritualmente enriquecido.
Aquele que assim abre a sua vida e mente à Vida e Mente Universais, subjacentes em todas as coisas, entrará em união com elas e a esse os Deuses aparecerão."
*
Geoffrey Hodson
Um Deus da Montanha
in "O Reino dos Deuses"
* imagem "Light Weaver" de Alex Grey