Mostrar mensagens com a etiqueta A Malinche. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta A Malinche. Mostrar todas as mensagens

segunda-feira, 23 de maio de 2011

migração



"A migração é um acto de sobrevivência. Malinalli desejava ter possuído a ligeireza das borboletas e ter migrado a tempo. Ter voado pelos céus, muito para além das nuvens, por cima delas, onde não se ouvissem os choros e os lamentos, onde não se avistassem os corpos mutilados, os rios de sangue, o cheiro a morte. Fugir antes que o seu coração congelasse e o seu espírito se desligasse dos seus deuses."


Laura Esquivel
in A Malinche

sexta-feira, 22 de abril de 2011

A procura dos deuses



«A procura dos deuses é a procura de si próprio. E onde estamos escondidos? Na água, no ar, no fogo, na terra. Estamos na água, no rio escondido. A água faz parte do nosso corpo, mas não a vemos. Circula nas nossas veias, mas não a sentimos. Vemos apenas a água exterior. Só nos reconhecemos nos reflexos. Quando nos vemos reflectidos na água, sabemos também que somos luz, de outra forma não poderíamos reflectir-nos. Somos fogo, somos sol. Estamos no ar, na palavra. Quando pronunciamos os nomes dos nossos deuses, pronunciamos o nosso. Eles criaram-nos com a sua palavra e nós recriamo-los com a nossa. Os deuses e os homens são a mesma coisa. O filho do sol, o filho da água, o filho do ar, o filho do milho, nascem do ventre da mãe terra. Quando encontramos o sol, o fogo em movimento, a água, o rio escondido, o ar, o cântico sagrado, a terra, a carne do milho, dentro de nós próprios, transformamo-nos em deus.»


Laura Esquivel
in A Malinche
imagem: Holy Fire de Alex Grey

quinta-feira, 3 de março de 2011

A Malinche



"A primeira coisa que aprendeu a moldar foi uma vasilha para beber água. Malinalli era uma menina de apenas quatro anos de idade, mas com grande sabedoria, e perguntou à avó:
- Quem se lembrou de fazer jarros para a água?
- A própria água se lembrou.
- E para quê?
- Para poder repousar na superficie e assim poder contar-nos os segredos do universo. Ela comunica connosco em cada charco, em cada lago, em cada rio; tem diferentes maneiras de se vestir de gala e de se apresentar a nós sempre nova. A piedade do deus que mora na água inventou os recipientes onde, ao mesmo tempo que alivia a nossa sede, fala connosco. Todos os recipientes que contêm água lembram-nos que deus é água e é eterno.
- Ah! - respondeu a menina admirada. - Nesse caso, a água é deus?
- Sim. E também o são o fogo, o vento e a terra. A terra é a nossa mãe, a que nos alimenta, aquela que, quando descansamos sobre ela, nos recorda de onde viemos. Em sonhos diz-nos que o nosso corpo é terra, que os nossos olhos são terra e que o nosso pensamento será terra lançada ao vento.
- E o fogo, que diz?
- Tudo e nada. O fogo produz pensamentos luminosos quando deixa que o coração e o espírito se fundam num só. O fogo transforma, purifica e ilumina tudo o que se pensa.
- E o vento?
- O vento também é eterno. Nunca acaba. Quando o vento entra no nosso corpo, nascemos, e, quando sai, é porque morremos, por isso temos de ser amigos do vento.
- E... este...
- Já nem sabes o que perguntar. É melhor guardares silêncio, não gastes a tua saliva. A saliva é água sagrada que o coração cria. A saliva não deve gastar-se em palavras inúteis porque então estaremos a desperdiçar a água dos deuses e olha, vou dizer-te uma coisa que não deves esquecer: se as palavras não servirem para humedecer nos outros a lembrança e conseguir que aí floresça a memória de deus, não servem para nada."



Laura Esquivel
in A Malinche