quinta-feira, 3 de março de 2011

A Malinche



"A primeira coisa que aprendeu a moldar foi uma vasilha para beber água. Malinalli era uma menina de apenas quatro anos de idade, mas com grande sabedoria, e perguntou à avó:
- Quem se lembrou de fazer jarros para a água?
- A própria água se lembrou.
- E para quê?
- Para poder repousar na superficie e assim poder contar-nos os segredos do universo. Ela comunica connosco em cada charco, em cada lago, em cada rio; tem diferentes maneiras de se vestir de gala e de se apresentar a nós sempre nova. A piedade do deus que mora na água inventou os recipientes onde, ao mesmo tempo que alivia a nossa sede, fala connosco. Todos os recipientes que contêm água lembram-nos que deus é água e é eterno.
- Ah! - respondeu a menina admirada. - Nesse caso, a água é deus?
- Sim. E também o são o fogo, o vento e a terra. A terra é a nossa mãe, a que nos alimenta, aquela que, quando descansamos sobre ela, nos recorda de onde viemos. Em sonhos diz-nos que o nosso corpo é terra, que os nossos olhos são terra e que o nosso pensamento será terra lançada ao vento.
- E o fogo, que diz?
- Tudo e nada. O fogo produz pensamentos luminosos quando deixa que o coração e o espírito se fundam num só. O fogo transforma, purifica e ilumina tudo o que se pensa.
- E o vento?
- O vento também é eterno. Nunca acaba. Quando o vento entra no nosso corpo, nascemos, e, quando sai, é porque morremos, por isso temos de ser amigos do vento.
- E... este...
- Já nem sabes o que perguntar. É melhor guardares silêncio, não gastes a tua saliva. A saliva é água sagrada que o coração cria. A saliva não deve gastar-se em palavras inúteis porque então estaremos a desperdiçar a água dos deuses e olha, vou dizer-te uma coisa que não deves esquecer: se as palavras não servirem para humedecer nos outros a lembrança e conseguir que aí floresça a memória de deus, não servem para nada."



Laura Esquivel
in A Malinche