segunda-feira, 11 de outubro de 2010

As Palavras Que Pena


"A comunhão dos santos. Em primeiro lugar descobre-se a linha e o ponto. E só depois de se terem esgotado todas as possibilidades é que a linha se enrola suave sobre si mesma cheia de invenção e o ponto cresce e alarga-se formando assim o círculo. Com linhas com pontos e finalmente com círculos tem-se o mundo na mão. É preciso apenas descobri-lo, persegui-lo, possuí-lo. E tem-se o mundo na mão. Regular os espaços. Ou melhor: regular os tempos e os espaços. Cria-se a terra com o seu recheio de seres e de coisas. Pequenas constelações isoladas umas das outras. Sem comunicação. E o que é pior - sem nada a comunicar. (...)
De vez em quando há um homem. Parece conduzir-nos. Mas não há nada atrás dele, ninguém o segue. E de vez em quando uma estrela tem pena e aproxima-se, mas encadeia-o com a sua luz excessiva e ele perde-se mais ainda, perde-se até dos próprios passos. A estrela no fundo é inútil, não serve para nada. (...)
Quando na floresta as árvores são vivas e se agitam e eu posso percebê-las. Sopram ventos da terra. Ventos fundos que sobem das raízes e se espalham nos ramos e nas folhas e as árvores estremecem como se tivessem sido acordadas nesse instante e agitam-se toda a noite e são vivas. Adivinho o mistério, cheio de seiva, cheio de frutos maduros. Adivinho o meu sonho idêntico ao sonho delas. Todos os sonhos provêm do mundo a que pertencemos. Do verdadeiro mundo. Surgem inesperadamente, desgarrados na noite, às vezes por engano sonhamos sonhos dos outros e às vezes por engano não chegamos sequer a reconhecer os sonhos que são nossos. Seguimos sempre no escuro. Mas seguimos. (...)
Com a lua não se segue no escuro. É-se conduzido por dentro, sem reflexão, sem problemas. Mas só enquanto há lua."
*
* Y. K. Centeno
* As Palavras Que Pena

domingo, 3 de outubro de 2010

Após Li Po


"De onde vens? Aonde vais?
O mundo não é como o vês -
Tenho olhos diferentes dos teus
*
E atravesso o teu caminho como uma sombra.
Do que é que precisas realmente?
Que peso é esse sobre os teus ombros?
Quem te deu esse sorriso complacente?
*
Conheço um tipo diferente de reino
Onde tudo o que transporto é o céu e o momento
E as pessoas são como são, como eu,
E as aves, as abelhas e as flores são iguais.
*
Bobo, menestrel, vagabundo - sou tudo isso
Mas o meu segredo é que não sou ninguém
E a brisa que sopra através de mim é a brisa
E o meu bafo a desaparecer no vento.
*
O que dou, dou. É tudo o que tenho -
E o milagre é que é suficiente."
*
*
* O Viajante (56) * Lu *
in I Ching - O Livro das Mutações
Martin Palmer / Jay Ramsay / Zhao Xiaomin