"Carrego em mim uma palavra imensa. É uma palavra avassaladora, uma palavra devastadora. É uma palavra que não sei pronunciar. É uma palavra para ti. Entre nós fica o silêncio que essa palavra não consegue transpor. Vivemos nesse silêncio, um espaço contido e vazio, o imensurável árido em que duas pessoas não conseguem falar. E nem eu precisaria que falasses, bastaria que ouvisses esta palavra que te quero dizer. Bastaria essa única palavra erguer-se singular na minha voz, atravessar o silêncio, escoar-se na treva funda dos teus ouvidos. Aí partilharíamos o segredo que todas as coisas encerram no âmago de si. Aí, tu serias eu e eu apenas um pouco mais de ti. Teríamos esta palavra sem nome na qual seríamos um só. Eu quero. Eu juro.
Entras e sais da minha vida numa repetição infinita. É um ciclo tresloucado, inevitável. Tal como a água que nasce entre as pedras e demora muito a tornar, na certeza, porém, que tudo se repetirá, uma e outra vez, uma e outra vez. Há entre nós este silêncio intransponível que nos vai ficando, que nos vai minando, soterrando, preenchendo com as raízes do seu vazio. E eu a sentir. E tu a partires, sempre como se fosse para nunca mais voltares. E eu quero dizer-te. Eu quero. Eu juro. Quero dizer-te de uma vez por todas esta palavra que me aperta, que me queima, que me mantém acordado no sono e em tremura na vigília. Eu quero. Eu juro. Porque um dia partirás para sempre. Porque um dia o silêncio será inquebrável, de tal forma espesso que nenhuma palavra o saberá cortar. E esta palavra é papel, é vidro partido, é lâmina reluzente. Esta palavra é tudo e é nada pois é uma vida vivida, imaginada, sofrida. Que não se aprende nem se ensina. É uma palavra que me cresce de dentro. Que me tem crescido a cada instante, como uma infiltração subterrânea, como uma obsessão, como uma traça insaciável que me rumina o corpo e a mente noite e dia, sem parar, sem parar. É como o som metódico e louco de uma máquina de costura que trabalha incansável. Eu ouço o carrinho girar no carreto, os pés no vai e vem furibundo do pedal, a agulha infalível ascendendo e martelando o pano aparado por duas mãos no recorte do traço. É incessante. Eu sou, eu existo no plano informe e inominável dessa palavra. E eu quero encostar os meus lábios à tua orelha e sussurrar-te esta larva, esta palavra bicho, casulo, esta doença raiada pela minha loucura que nos unirá para sempre à volta de um mesmo olhar. Quero deixá-la deslizar para dentro de ti como a saliva breve que se sorve de um beijo. Eu quero. Eu juro.
Trago comigo esta palavra imensa. É uma palavra maior que eu ou maior que tu. E eu quero. Eu preciso. Eu desejo oferecer-te esta palavra. Eu juro"
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Carlos Geadas
Autor do livro, os dias de um homem banal
** imagem: Silence, Henry Fuseli
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