"Aquece-me o peito nesta tarde. Não deixes que eu sinta frio. Desaprende o meu nome e o meu cheiro e mexe-me como se fosse outra pessoa. Desliga em nós o sentir das horas; ora correm depressa, ora se esquecem que somos ansiosos e demoram-se.
Nesta tarde não deixes que eu fale. Oferece-nos somente a deliciosa liberdade de sentir. As palavras trazem passados que não cabem na dimensão dos nossos sonhos. Essencialmente nunca te esqueças de ti própria, e comanda os movimentos, os teus e os meus, sempre, nessa sombra densa de seres. Nunca te esqueças; não digas o meu nome. Dá-me-te.
Se não quiseres sentir a chegada da noite, quase sempre inesperada, fecha já a janela e acende uma luz, bem distanciada de nós. Os rostos, ao tocarem-se pelo olhar, poderão regressar anos imensos. Não será bem isso que desejamos. Não será um passado nem um futuro. O ontem e o amanhã pouca diferença fazem entre si. Ao longo dos dias teimamos sempre conhecê-los, quando mais não fazemos, afinal, que confundi-los. É sempre assim e tu bem o sabes, possivelmente mais que ninguém, a partir do momento em que estás comigo. Por vezes pergunto-me porquê. O malabarismo de sonhos leva anos a ser aprendido. Talvez seja a sensação de desequilíbrio que te alicia. Talvez te tire do sério a inesperada controvérsia de sentires, apesar do teu rosto de olhar molhado denunciar-te a todo o momento. O teu corpo estremece à minima tentativa de inverter as coisas. Mas nesta tarde és tu que comandas. Não deixarás que esse Êxtase acabe ou que diminua de intensidade. Farás tudo para o manter. Unhas e dentes cerrados. Eu sei que serás sempre assim.
(...)
Não percas a incandescência clandestina do desconhecido. O brilho do teu olhar começa a ser invadido por esse tremor, ora de receio ora de fascínio. Afinal, fazemos de conta de que é a primeira vez. Não se trata de um fingimento. Pelo menos não vejo como tal. Talvez uma procura do que nunca soubemos ser um para o outro. Mas chega, pois estaria a falar de um passado. Prefiro realmente imaginar que não nos conhecemos.
(...)
Pega nesses copos e enche-los de vinho. Sempre tinto. Da cor do sangue. O álcool é um espelho que nos reflecte o interior. Desaprende a encadeada inércia e explode nas veias como droga. Há anos que não faço outra coisa. Existe um prazer secreto na debilitação dos corpos. Ninguém o comenta, mas todos o fazem. Calma, não o bebas de uma só vez. Ingere-o com sedução, com goles calmos e curtos. Terás que senti-lo descer até às entranhas e aquecer-te o ventre e o peito. Ao mesmo tempo esquece-te de ti e sente o que tenho para te dizer."
Fernando Dinis
Dá-me-te
Espero-te, com a incerteza a moldar-me os gestos.. Tento inventar estratagemas para me esquecer de ti, antes de me lembrar sequer.
Não consigo evitar a tua importância no meu ser. Por vezes basta apareceres para tudo ter um novo sentido. Por vezes basta a tua presença para ignorar o sentido do meu caminho.
Tudo deveria ser sempre como a primeira vez. Quando nos entregamos com a inocência de quem tudo quer descobrir: um novo corpo, um novo prolongamento do ser.
Mas poderão dois seres, já sendo, resistir ao chamado do desejo? Mesmo quando existem passados de mágoas, palavras que desejamos esquecer, sonhos por cumprir..
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