quarta-feira, 25 de maio de 2011

Canto de Mim Mesmo



"As casas e os quartos estão repletos de perfumes,
as prateleiras estão repletas de perfumes,
Eu próprio aspiro essa fragrância, conheço-a e gosto dela,
Eu próprio dela poderia embriagar-me, mas não o
permitirei.
A atmosfera não é um perfume, não sabe a emanação
alguma, é inodora,
Para sempre ficará na minha boca, por ela me apaixonei,
Irei ao rio junto ao bosque e despojar-me-ei de disfarces
e roupas,
Estou louco por entrar em contacto com ela.
O fumo da minha própria respiração,
Ecos, ondulações, murmúrios e sussurros, raiz do amor,
fio de seda, forquilha e vide,
A minha respiração e inspiração, o bater do coração,
o sangue e o ar que passam pelos meus pulmões,

O odor das folhas verdes e das folhas secas, da praia e das
rochas escuras do mar, e do feno no celeiro,
O som das palavras que a minha voz atira aos remoinhos
do vento,
Alguns beijos leves, alguns abraços, os braços à volta
de um corpo,
O jogo de luz e sombra nas árvores com os dóceis ramos
balouçando,
O prazer de estar só ou no tumulto das ruas, ou pelos
campos e colinas,
A sensação de saúde, os gorjeios do grande meio-dia,
o meu canto ao levantar-me da cama e encontrar o sol.

Achas que mil acres são muitos? Achas que a Terra é muita?
Praticaste o necessário para aprender a ler?
Sentiste-te orgulhoso por captar o sentido dos poemas?

Fica comigo este dia e esta noite e possuirás a origem
de todos os poemas,
Possuirás o que há de bom na Terra e no Sol
(há milhões de sóis)
Não terás coisas em segunda ou terceira mão, nem verás
pelos olhos dos mortos, nem te alimentarás
dos espectros dos livros,
Nem através dos meus olhos verás, nem de mim terás
as coisas,
Escutarás tudo e todos e tudo em ti filtrarás."


Walt Whitman

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