quinta-feira, 7 de julho de 2011

A tua beleza submerge-me



"Sabina já não beijava nem homens nem mulheres. Dentro da febre da sua ansiedade, o mundo ia perdendo a sua forma humana. Estava a perder o poder humano de articular o corpo noutro corpo em plenitude humana. Ela delimitava horizontes, afogando-se em planetas sem eixo, perdendo a sua polaridade e o seu saber divino de integração, fusão. Propagava-se como a noite se propaga no universo e não encontrou nenhum deus com quem repousasse. A outra metade pertencia ao sol e ela estava em guerra com o sol e com a luz. Não podia suportar traços de luz em livros abertos, nem a orquestração de ideias tricotadas num único tema; não seria coberta pelo sol e no entanto metade do universo pertencia ao sol; ela voltaria a serpente apenas para aquele que pudesse cobrir-lhe o corpo com a sua sombra dando-lhe a alegria da fecundação.
(...)

A tua beleza submerge-me, submerge o mais fundo de mim. E quando a tua pele me queima, dissolvo-me como nunca, perante um homem, me dissolvera. De entre os homens eu era a diferente, era eu própria, mas em ti vejo a parte de mim que és tu. Sinto-te em mim. Sinto a minha própria voz tornar-se mais grave como se te tivesse bebido, como se cada parcela da nossa semelhança estivesse soldada pelo fogo e a fissura não fosse detectável.

As tuas mentiras, não são mentiras, Sabina. São flechas lançadas para fora da tua órbita pela força da tua fantasia. Para alimentar a ilusão. Para destruir a realidade. Vou ajudar-te: sou eu quem inventará para ti as mentiras e com elas iremos atravessar o mundo. Atrás das nossas mentiras desenrolo o fio de ouro de Ariana - porque de todas as alegrias a maior é a de voltar pelo percurso das mentiras, chegar novamente ao ponto de partida e dormir uma vez por ano livre de todas as estruturas de superfície.

Tu deixaste a tua marca no mundo, Sabina. Eu apenas o atravessei como um fantasma. Será que à noite alguém dá pelo mocho na árvore, ou pelo morcego que vem contra a janela enquanto os outros falam, ou pelos olhos que reflectem como água e bebem como mata-borrão, ou pela piedade que vacila como luz de vela, ou pelo conhecimento seguro sobre o qual as pessoas adormecem?

Será que alguém sabe quem eu sou?"


Anais Nin
in A Casa do Incesto

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